sexta-feira, 23 de julho de 2010

História não é maconha, para ser queimada

"A professora Sílvia Hunold Lara, da Unicamp, pede que o congresso socorra a História do Brasil. Há cerca de um mês uma comissão de sábios entregou ao Senado um anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil que prevê a incineração, depois de cinco anos, de todos os processos mandados ao arquivo. Querem reeditar uma piromania de 1973, revogada dois anos depois pelo presidente Ernesto Geisel.
Se a História do Brasil for tratada com o mesmo critério que a Polícia Federal dispensa à maconha, irão para o fogo dezenas de milhões de processos que retratam a vida dos brasileiros, sobretudo daqueles que vivem no andar de baixo, a gente miúda do cotidiano de uma sociedade. Graças à preservação dos processos cíveis dos negros do século XIX conseguiu-se reduzir o estrago do Momento Nero de Rui Barbosa, que determinou a queima dos registros de escravos guardados na tesouraria da Fazenda.
Queimando-se os processos cíveis, virarão cinzas os documentos que contam partilhas de bens, disputas por terras, créditos e litígios familiares. É nessa papelada que estão as batalhas das mulheres pelos seus direitos, dos posseiros pelas suas roças, as queixas dos esbulhados. Ela vale mais que a lista de convidados da Ilha de Caras ou dos churrascos da Granja do Torto.
 A teoria do congestionamento dos arquivos é inepta. Eles podem ser microfilmados ou preservados digitalmente. Também podem ser remetidos à guarda de instituições universitárias. O que está em questão não é a falta de espaço, é excesso de descaso pela história do povo. Pode-se argumentar que os processos com valor histórico não iriam ao fogo, mas falta definir "valor histórico". Num critério estritamente pecuniário, quanto valeria o contrato de trabalho assinado nos anos 50 por uma costureira negra de Montgomery, no Alabama? Certamente menos que um manuscrito de Roger Taney, o presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos que deu o pontapé inicial para a Guerra Civil. Engano. Uma simples fotografia autografada de Rosa Parks, a mulher que desencadeou o boicote às empresas de ônibus de Montgomery e lançou à fama um pastor de 29 anos chamado Martin Luther King, vale hoje US$2500. O manuscrito encalhado de Taney sai por US$1000.
O trabalho dos sábios incineradores está com o presidente do Senado, José Sarney, cuidadoso curador de sua própria memória e membro da Academia Brasileira de Letras. Como presidente da República, autorizou a queima dos arquivos da Justiça do Trabalho. Com isso, mutilou a memória das reclamações de trabalhadores, de acordos, greves e negociações coletivas.
A piromania é fruto do desinteresse, não da fatalidade. O STF, os Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Rondônia, bem como o TRT do Rio Grande do Sul, acertaram-se com arquivos públicos e universidades para prevenir o incêndio.
Há mais de uma década a desembargadora Magda Biavaschi batalha na defesa dos arquivos trabalhistas, mas pouco conseguiu. Lula ainda tem mandato suficiente para agir em relação à fogueira trabalhista e para alertar sua bancada na defesa dos arquivos cíveis. Milhares de processos estimulados pelas lideranças sindicais dos anos 70, quando ele morava no andar de baixo, já viraram cinzas."

Élio Gaspari - Correio do Povo, 21/07/2010

Coerência Política(ou falta de)

A política brasileira tem uma característica muito peculiar: é incoerente por natureza.
As verdades e convicções de hoje, amanhã serão as mais cínicas mentiras.
Aqueles que hoje pregam coerência, eles sempre agiram assim?
O Dep Collares, por exemplo, não pode ser considerado um político coerente, pois sempre exculachou o Partido dos Trabalhadores; eu mesmo fui hostilizado por ele certa feita, em evento comum, por usar um botton do PT.
Todavia, é corajoso ao assumir a postura de se colocar contra o partido, abrindo voto ao adversário na atual corrida eleitoral.
Em nome da coerência(?!).
Adversário este que ele execrou em outras eleições.
E a coerência?
Por outro lado, a pretensão do seu partido em querer expulsá-lo, foi no mínimo ridícula, afinal quem votaria pela expulsão de um exgovernador?
Naturalmente, faltou brio aos seus pares partidários para tal decisão e esta foi passada para a cúpula nacional.
Deu em nada, o deputado continuará fazendo campanha para o adversário, mesmo que o seu partido tenha candidato na chapa majoritária para a mesma disputa.
Efeito PauloFeijó!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Por que o homem mata?

É a única pergunta que tenho me feito nos últimos dias. Tenho procurado fazê-la também a psicanalistas. É claro que estou sob o impacto do crime atribuído ao goleiro Bruno e aos seus amigos. A frieza de Bruno nas imagens de televisão me choca. Não paro de pensar no assunto. As respostas a essa pergunta tão velha quanto a humanidade são muito fracas ou limitadas: o homem mata por necessidade, mata para se defender, mata pelo poder, mata por vingança, mata por medo, mata por irracionalidade, mata por arrogância, mata por perversão, etc. Todas essas possibilidades são verdadeiras, mas são incompletas. Se, de fato, Bruno mandou matar a amante, não foi por alguma dessas razões. Ou foi por todas elas? Necessidade de ver-se livre de um obstáculo? Vingança, medo, arrogância. Pode ser. Deve ter algo mais. O quê?
O ser humano é um dos animais mais fracos do planeta. E um dos mais destrutivos. Não, não, é o mais destrutivo, o mais cruel, o mais violento e o mais irracional. Mata por prazer. Também por prazer. Mata futilmente. Eis uma boa definição para homem: ser capaz de matar com extrema perversidade por um motivo fútil. Ou por ganância. numa conversa rápida, por telefone, o psicanalista Abraão Slavutski me disse que os criminosos acham que não serão descobertos. É isso. O sujeito sempre se acha mais esperto. Acredita ter cometido o crime perfeito. Age na certeza da impunidade. Essa hipótese é terrível. Significa não ter consciência. poder dormir tranquilamente sem ser incomodado pelo peso de um crime. É hediondo. E muito comum. Praticar um crime com vários cúmplices acrescenta um problema: o criminoso fica nas mãos dos seus parceiros, que poderão fazer chantagem.
Uns estão nas mãos dos outros? No caso de Bruno, ele sempre teve mais a perder do que os seus amigos. Outra hipótese menos sofisticada para tais crimes é esta: o homem mata por burrice e egoísmo. Mata por não pensar. Não pensar direito. Acredita piamente que não será descoberto. Deixa muitos rastros, pratica o inominável com parceiros mais do que pouco confiáveis, crê, mesmo assim, que tudo dará certo. No crime que envolve Bruno e sua tropa de choque, a estupidez começou a desmoronar justamente por causa de uma consciência chocada, a do adolescente que ficou impressionado com as imagens que diz ter visto e não conseguiu mais se calar. A barbárie sempre deixa um furo, uma brecha, uma marca de sangue.
A imagem mais impressionante nisso tudo até agora é a da tatuagem nas costas do tal macarrão: "Bruno e Maka: 'A amizade nem a força do tempo irá destruir esse amor verdadeiro'". Não é o provável conteúdo homossexual da citação, obviamente, que impacta, mas justamente o oposto, que sugere um estranho pacto entre protetor e protegido. Eu só penso na exclamação do personagem de Conrad em "Coração das Trevas": "O horror! O horror!". O horror na "sociedade do espetáculo", o horror da cabeça erguida de Bruno para as câmeras de televisão. Será que os homens também matam por tédio? Ou somente pela estupidez natural de que somos todos constituídos?


Juremir Machado da Silva - Jornal Correio do Povo, 14/07/2010
juremir@correiodopovo.com.br

Bruno Fernandes

Lamentável esse episódio envolvendo o goleiro do CR Flamengo, o jovem Bruno.
Há algum tempo vinha acompanhando a carreira desse jogador, pois achava-o um excelente profissional, muito focado no objetivo, no cumpromento das metas.
Era seu fã, torcia por seu sucesso e, oxalá, queria vê-lo jogando no meu time.
Então, um dia, meu mundo caiu.
Em defesa de um colega que brigara com sua amasia, veio a publico minimizar o ocorrido. Até aí tudo bem, não fosse o argumento que ele usou, em rede nacional, para justificar as mútuas agressões entre aquele casal.
Mas, o que disse nosso personagem?
"- bater em mulher é normal, afinal quem nunca saiu no tapa com sua companheira?"
Quem agride, mata.
Pois, assim como a maconha é porta de entrada para outras drogas mais pesadas, o tapa é entrada para agressões mais fortes como ceifar uma vida.
Fiquei muito decepcionado com esse cidadão.
Não tenho como presumir sua inocência em conversas de amigos., pois sua frieza ante tudo que é exposto, é assustadora.
Sua sorte é que será julgado de acordo com as leis brasileiras, então, talvez, nem cumpra a pena...