sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Por que Dilma e Fortunati governam bem

Vou dizer agora qual é a razão para o Fortunati estar fazendo uma boa administração em Porto Alegre.
Porque é uma boa administração.
Provam-no obras sarapintadas pela cidade e, sobretudo, prova-o esse instituto de saúde criado pela prefeitura dias atrás. Não apenas pelo instituto em si, aliás uma ideia inteligente, e mais devido à forma como foi proposto, levado adiante e aprovado. Trata-se de um projeto polêmico, os médicos eram contra, promoveram manifestações e tudo o mais. Fortunati poderia ter se assustado com a reação e adiado a implantação para as calendas gregas. Ou poderia ter tentado buscar o consenso impossível. Ou poderia atirar a decisão para o alto, posar de democrata para iludir a massa ignara e atrás de um plebiscito, como foi feito com o caso do Pontal do Estaleiro Só.
Mas não.
Fortunati tinha convicção e teve determinação. Achava que devia fazer, foi lá e fez. Assumiu a responsabilidade.
É o que se espera de um administrador.
O administrador não pode deixar de agir por medo da crítica. Até porque a crítica é inevitável, principalmente no Rio Grande do Sul. O gaúcho, não é que o gaúcho tenha senso crítico desenvolvido. Não. Em dois séculos de isolamento meridional, o gaúcho desenvolveu a habilidade de ver os pontos negativos em qualquer iniciativa e em qualquer pessoa que toma a iniciativa. Logo, quem faz sempre será criticado por aqui. Logo, a crítica deve ser subestimada. A crítica de quem está sempre criticando tem tanto valor quanto o elogio de quem está sempre elogiando: nenhum.
E a razão do desempenho seguro de Fortunati na prefeitura está sedimentada, precisamente, na crítica. Ou na falta de. Fortunati não teme a crítica, como temia Fogaça, porque Fortunati estava a salvo dela: ele era vice, pouco aparecia, não havia porque criticá-lo. Alçado ao cargo de prefeito, pôde agir com independência. Pegou os maliciosos de surpresa. Eles não estavam reparando nele.
Dilma é beneficiada por fenômeno semelhante. Ela pode tomar as medidas corretas para bem gerir o país porque não tem, como Lula, a pretensão de ser uma liderança popular, venerada pelo povo.
Lula precisava ser populista. Afinal, era olhado com desconfiança quando galgou o poder. Para se fortalecer, fez um governo de concessões, de apadrinhamentos e de generosidades. Inchou o quadro do funcionalismo público, atendeu a interesses da velha oligarquia, gastou à grande. Dilma vai ter que corrigir as distorções. Ela pode fazer isso. Porque, como Fortunati, emergiu das sombras e sabe que só será banhada pela luz se fizer uma administração competente.
Dilma e Fortunati, sustentados por um sólido regime democrático, estão, pelo menos por enquanto, protegidos das deformidades da democracia.

David Coimbra - jornal Zero Hora, 18/02/2011
david.coimbra@zerohora.com.br

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Depois se ve

Chuva. Nada mais ancestral. Muita água, pouca água, não importa: choverá. Em vários períodos do ano, mais forte, mais fraco: choverá. Em São Paulo, Minas, Rio, Florianópolis. E também na Alemanha, na Nova Zelandia, no Peru. Choveu nos anos 40, chove em 2011, choverá em 2068. Passado, presente e futuro sob uma única nuvem. Só que o país do futuro não pensa no futuro. Somos totalmente refratários a prevenção.
Tudo o que nos acontece de ruim provoca uma chiadeira, vira escandalo nacional - mas depois. Ficamos estarrecidos, mas depois. O antes é um período de tempo que não existe. Investir dinheiro para evitar o que ainda não aconteceu nos soa como panaquice. Se está tudo bem até as 14h30min desta quarta-feira, por que acreditar que as 14h31min tudo pode mudar? E então não se investe em hospitais até que alguém morra no corredor, não se policia uma rua até que duas adolescentes sejam estupradas, não se contrata salva-vidas até que meia dúzia morra afogada. Somos os reis em tapar buracos, os bambambans em varrer para debaixo do tapete, os retardatários de todas as corridas rumo ao desenvolvimento. Não prevemos nada. Adoramos os astrólogos, mas odiamos pesquisa. Consideramos estupidez gastar dinheiro com tragédias que ainda estão em perspectiva. Só o erro consolidado retém nossa atenção.
A gente se entope de açúcar, não usa fio dental e depois vai tratar a cárie, se sentindo privilegiado por poder pagar um dentista. A gente fuma tres maços de cigarro por dia e depois processa a industria tabagista. A  gente corre na estrada a 140 km/h, ultrapassa em faixa contínua e depois suborna o guarda, na melhor das hipóteses. Ou então morre, ou mata - na pior delas.
A gente vota em corrupto, depois desdenha da política em mesa de bar. A gente joga lixo no cordão da calçada, depois se surpreende com a rua alagada. A gente se expõe em todas as redes sociais, depois esbraveja contra os que invadiram nossa privacidade.
Precisamos de transporte público de qualidade, mas só depois de sediar a Copa do Mundo. A sociedade reclama por profissionais mais gabaritados, mas ninguém investe em professores e em universidades. E os donos de estabelecimentos comerciais só irão se dar conta de que estão perdendo dinheiro quando descobrirem os manés que contrataram para atender seus clientes. Treinamento antes, não. Se precisar mesmo, depois.
Precisamos mesmo. Só que antes.

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora, 26/01/2011
marthamedeiros@terra.com.br

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O que posso fazer pela minha cidade?

Em plena década de 1960, quando os EUA estavam dando um novo salto de desenvolvimento, o então presidente John Kennedy provocava o povo americano com a seguinte questão: "Não pergunte o que o país pode fazer por voce. Pergunte o que voce pode fazer pelo país". Atualizando e parafraseando a questão do grande presidente americano, acredito que a pergunta que devemos fazer é a seguinte: "Pergunte o que a sua cidade pode fazer por voce. E pergunte o que voce pode fazer pela sua cidade".
É absolutamente legítimo e natural que todos desejem que a sua cidade lhes proporcione a melhor qualidade de vida possível. Todos pagam seus impostos, escolhem seus vereadores e prefeito e desejam ter uma contrapartida adequada no que diz respeito `a prestação de serviços nas áreas da saúde, educação, transporte público, saneamento básico e assim por diante. Deste modo, é absolutamente necessário que o cidadão esteja vigilante, cobrando tudo aquilo que entende que a cidade deve lhe oportunizar para melhorar o seu cotidiano.
O grande problema é que, de modo gradativo, estamos nos esquecendo de indagar "o que podemos fazer pela nossa cidade?". Felizmente, Porto Alegre é uma metrópole onde a participação democrática da população é um verdadeiro exemplo para o mundo. São milhares de pessoas que participam ativamente do Orçamento Participativo, das associações comunitárias, dos Conselhos Municipais da Criança, das Mulheres, da Saúde, da Assistencia Social etc.
Mas o outro lado da moeda tem demonstrado que ainda existe uma parcela significativa da nossa população que desconhece os direitos e interesses coletivos. Ou seja, desejam usufruir(legitimamente) de todas as benesses oferecidas pela cidade, mas não estão preocupados em dar uma parcela da sua colaboração para torná-la ainda melhor. Basta andar pela cidade e perceber quantos indivíduos jogam lixo no chão, quantos monumentos encontram-se pichados, quantas paradas de onibus foram depredadas, quantas lixeiras foram quebradas, quantos motoristas deixam de cumprir com a sinalização de transito, quantas árvores foram quebradas na via pública, quantos não conservam a calçada defronte ao seu prédio, e assim por diante. E isso não ocorre somente na Capital e nem tampouco é exclusividade das grandes metrópoles.
Imediatamente, todos reclamam, de forma legítima, que (a cidade, por meio do) o poder público tome as devidas providencias para sanar o problema. Acabamos esquecendo, porém, de que tudo isso vai sair dos nossos próprios bolsos e que o município terá que investir, na recuperação, coleta e campanhas de esclarecimento, recursos que poderiam estar sendo mais bem alocados para politicas sociais de inclusão de quem mais necessita do apoio.
Como prefeito, assumo totalmente a responsabilidade que a prefeitura possui para dar as melhores condições possíveis a população. E quero continuar aperfeiçoando os serviços públicos. Mas enfatizo o questionamento: o caro cidadão e leitor está dando a sua contribuição para melhorar a nossa cidade?

JOSÉ FORTUNATI - Prefeito de Porto Alegre, Jornal Zero Hora, Artigos, 19/01/2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Homens Bons

Houve uma época em que fazer uma tatuagem era um ato de rebeldia e despertava preconceitos. Mas isto foi no tempo da pureza e da desinformação, quando a gente não estava a par de outros motivos para se assustar. Hoje sabemos que bandidos podem usar terno e gravata, que bandidas podem ser mães de bebes e que uma tatuagem não estigmatiza ninguém, é apenas uma forma de expressão, um recurso para não se deixar globalizar nesse mundo onde todos se parecem e tudo é descartável. Minhas duas filhas possuem tatuagem e não consta que sejam menos confiáveis do que jovens que mantém a pele imaculada. Caso elas tivessem idade e preparo físico para ser salva-vidas, estou certa de que prestariam um serviço da melhor qualidade. No entanto, elas tem idade e preparo físico para serem vítimas de afogamento, como qualquer um de nós. Eu não ficaria nem um pouco aborrecida se um voluntário com um dragão  desenhado no bíceps as tirasse do mar a tempo de elas não constarem das estatísticas absurdas das fatalidades deste verão 2011. Ao contrário: eu é que talvez elevasse o número de tatuados. Pelo menos a inicial desse super-heroi eu levaria pra sempre no meu tornozelo direito.

Martha Medeiros, Jornal Zero Hora, 19/01/2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Discurso de Posse - parte I

"Queridas brasileiras e queridos brasileiros.
Pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá o ombro de uma mulher.
Sinto uma imensa honra por essa escolha do povo brasileiro
 e sei do significado histórico dessa decisão.
Sei também como é aparente a suavidade da seda verde-amarela da faixa presidencial, pois ela traz consigo uma enorme responsabilidade perante a nação. Para assumí-la, tenho comigo a força e o exemplo da mulher brasileira. Abro meu coração para receber, neste momento, uma centelha de sua imensa energia.
E sei que meu mandato deve incluir a tradução mais generosa desta ousadia do voto popular que, após levar à Presidência um homem do povo, decide convocar uma mulher para dirigir os destinos do país.
Venho para abrir portas para que muitas outras mulheres também possam, no futuro, ser presidenta, e para que, no dia de hoje, todas as brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher.
Não venho para enaltecer a minha biografia, mas para glorificar a vida de cada mulher brasileira. Meu compromisso supremo é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos!
Venho, antes de tudo, para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este país já viveu. Venho para consolidar a obra transformadora do presidente Luis Inácio Lula da Silva, com quem tive a mais vigorosa experiência política da minha vida e o privilégio de servir ao país, ao seu lado, nestes últimos anos.
De um presidente que mudou a forma de governar e levou o povo brasileiro a confiar ainda mais em si mesmo e no futuro do seu país, a maior homenagem que posso prestar a ele é ampliar e avançar as conquistas do seu governo.
Reconhecer, acreditar e investir na força do povo foi a maior lição que o presidente Lula deixou para todos nós. Sob sua liderança, o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da história. Minha missão agora é de consolidar esta passagem e avançar no caminho de uma nação geradora das mais amplas oportunidades.
Quero, neste momento, prestar minha homenagem a outro grande brasileiro, incansável lutador, companheiro que esteve ao lado do presidente Lula nestes oito anos: nosso querido vice José Alencar. Que exemplo de coragem e de amor à vida nos dá este homem! E que parceria fizeram o presidente Lula e o vice-presidente José Alencar, pelo Brasil e pelo nosso povo!
Eu e Michel Temer nos sentimos responsáveis por seguir no caminho iniciado por eles. Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da história. Ele sempre será, ao seu tempo, mudança e continuidade. Por isso, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e a seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje.
Vivemos um dos melhores períodos da vida nacional: milhões de empregos estão sendo criados, nossa taxa de crescimento mais que dobrou e encerramos um longo período de dependência do FMI, ao mesmo tempo em que superamos nossa dívida externa.
Reduzimos, sobretudo, a nossa histórica dívida social, resgatando milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média. Mas, em um país com a complexidade do nosso, é preciso sempre querer mais, descobrir mais, inovar nos caminhos e buscar novas soluções.
Só assim poderemos garantir, aos que melhoraram de vida, que eles podem alcançar mais. E provar, aos que ainda lutam para sair da miséria, que eles podem, com a ajuda do governo e de toda a sociedade, mudar de patamar. Que podemos ser, de fato, uma das nações mais desenvolvidas e menos desiguais do mundo - um país de classe média sólida e empreendedora. Uma democracia vibrante e moderna, plena de compromisso social, liberdade política e criatividade institucional.
Queridos brasileiros e queridas brasileiras. Para enfrentar estes grandes desafios é preciso manter os fundamentos que nos garantiram chegar até aqui.
Mas, igualmente, agregar novas ferramentas e novos valores. Na política é tarefa indeclinável e urgente uma reforma política com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública.
Para dar longevidade ao atual ciclo de crescimento é preciso garantir a estabilidade de preços e seguir eliminando as travas que ainda inibem o dinamismo de nossa economia, facilitando a produção e  estimulando a capacidade empreendedora de nosso povo, da grande empresa até os pequenos locais, do agronegócio à agricultura familiar.
É, portanto, inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade. O uso intensivo da tecnologia da informação deve estar a serviço de um sistema de progressiva eficiência e elevado respeito ao contribuinte.
Valorizar nosso parque industrial e ampliar sua força exportadora será meta permanente. A competitividade de nossa agricultura e da pecuária, que faz do Brasil grande exportador de produtos de qualidade para todos os continentes, merecerá toda nossa atenção. Nos setores mais produtivos a internacionalização de nossas empresas já é uma realidade.
O apoio aos grandes exportadores não é incompatível com o incentivo à agricultura familiar e ao micro-empreendedor. As pequenas empresas são responsáveis pela maior parcela dos empregos permanentes em nosso país. Merecerão políticas tributárias e de crédito perenes.
Valorizar o desenvolvimento regional é outro imperativo de um país continental, sustentando a vibrante economia do Nordeste, preservando e respeitando a biodiversidade da Amazônia no Norte, dando condições à extraordinária produção agrícola do Centro-Oeste, a força industrial do Sudeste e a pujança e o espírito de pioneirismo do Sul.
É preciso, antes de tudo, criar condições reais e efetivas capazes de aproveitar e potencializar, ainda mais e melhor, a imensa energia criativa e produtiva do povo brasileiro.
No plano social, a inclusão só será plenamente alcançada com a universalização e a qualificação dos serviços essenciais. Este é um passo, decisivo e irrevogável, para consolidar e ampliar as grandes conquistas obtidas pela nossa população.
É, portanto, tarefa indispensável uma ação renovada, efetiva e integrada dos governos federal, estaduais e municipais, em particular nas áreas da saúde, da educação e da segurança, vontade expressa das famílias brasileiras.