quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Depois se ve

Chuva. Nada mais ancestral. Muita água, pouca água, não importa: choverá. Em vários períodos do ano, mais forte, mais fraco: choverá. Em São Paulo, Minas, Rio, Florianópolis. E também na Alemanha, na Nova Zelandia, no Peru. Choveu nos anos 40, chove em 2011, choverá em 2068. Passado, presente e futuro sob uma única nuvem. Só que o país do futuro não pensa no futuro. Somos totalmente refratários a prevenção.
Tudo o que nos acontece de ruim provoca uma chiadeira, vira escandalo nacional - mas depois. Ficamos estarrecidos, mas depois. O antes é um período de tempo que não existe. Investir dinheiro para evitar o que ainda não aconteceu nos soa como panaquice. Se está tudo bem até as 14h30min desta quarta-feira, por que acreditar que as 14h31min tudo pode mudar? E então não se investe em hospitais até que alguém morra no corredor, não se policia uma rua até que duas adolescentes sejam estupradas, não se contrata salva-vidas até que meia dúzia morra afogada. Somos os reis em tapar buracos, os bambambans em varrer para debaixo do tapete, os retardatários de todas as corridas rumo ao desenvolvimento. Não prevemos nada. Adoramos os astrólogos, mas odiamos pesquisa. Consideramos estupidez gastar dinheiro com tragédias que ainda estão em perspectiva. Só o erro consolidado retém nossa atenção.
A gente se entope de açúcar, não usa fio dental e depois vai tratar a cárie, se sentindo privilegiado por poder pagar um dentista. A gente fuma tres maços de cigarro por dia e depois processa a industria tabagista. A  gente corre na estrada a 140 km/h, ultrapassa em faixa contínua e depois suborna o guarda, na melhor das hipóteses. Ou então morre, ou mata - na pior delas.
A gente vota em corrupto, depois desdenha da política em mesa de bar. A gente joga lixo no cordão da calçada, depois se surpreende com a rua alagada. A gente se expõe em todas as redes sociais, depois esbraveja contra os que invadiram nossa privacidade.
Precisamos de transporte público de qualidade, mas só depois de sediar a Copa do Mundo. A sociedade reclama por profissionais mais gabaritados, mas ninguém investe em professores e em universidades. E os donos de estabelecimentos comerciais só irão se dar conta de que estão perdendo dinheiro quando descobrirem os manés que contrataram para atender seus clientes. Treinamento antes, não. Se precisar mesmo, depois.
Precisamos mesmo. Só que antes.

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora, 26/01/2011
marthamedeiros@terra.com.br

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